Texto: Bruno Bocchini
Fotos: Steve Ferrante e Carninja
Meu avô questionou, enquanto eu testava um veículo híbrido, como ligava o carro e por onde teria “andado” o som do motor. A conversa seguiu nessa linha:
– Bruno, onde liga esse carro?
– É por botão, não precisa da chave (ela só serve como sensor para o sistema reconhecer que está presente), respondi.
– Jesus meu!, exclamou.
– Mas o carro não faz barulho, você tá com ele ligado agora?
– Sim, vô. Agora ele está usando energia elétrica, nós vamos dar uma volta. Com o movimento das rodas o sistema manda energia para alimentar a bateria. O motor só será acionado quando for preciso de mais força, como em algumas subidas.
– Onde vamos parar! Meu pai falava: o homem ainda vai pisar na lua, mas acho que ele não esperava por essa, disse meu avô com seus 78 anos.
Esqueça tudo o que você já conhece sobre carros. Se por um lado, até o momento, você ainda acha complicado os botões de um modelo Lexus revendido no Brasil, ou ainda não se acostuma com todos os recursos oferecidos pelas centrais multimídia dos últimos modelos lançados nacionalmente, cuidado: o futuro próximo promete muito mais emoção (e estudo para lidar com as novas ferramentas) diante da modernidade. Meu avô teve diversos automóveis antigos, alguns com transmissão automática (o máximo contato com a tecnologia, já que o toca-fitas sempre esteve presente na vida dele). Já meu afilhado, aos 10 anos, reconhece com tranquilidade diversas funções de um painel Land Rover ou BMW. O conceito para a palavra “automóvel” mudou e, independente da geração, o avanço já estaciona em frente à sua garagem.
Para tentar compreender o cenário atual primeiro é necessário um exercício. Pergunte a um jovem de 17 ou 18 anos de idade qual é seu sonho de consumo. A probabilidade de que ele responda com o nome de um produto eletrônico qualquer, como um tablet, um smartphone ou alguma outra tecnologia é grande – poucos vão dizer: “quero o carro X”. Essa reflexão intriga a indústria automotiva e faz com que executivos revirem pensamentos durante o sono para a pergunta: afinal, como manter o carro como um objeto de desejo dos jovens?
A sociedade sofre mudanças. Mudaram os meios de comunicação, a internet revolucionou os hábitos de consumo, o engajamento social dominou o padrão de pensamento da nova geração e, junto do gás carbônico, o carro virou um “bandido” que rouba o planeta. A edição 2015 do SEMA Show, maior evento de customização automotiva do mundo, realizado no começo de novembro em Las Vegas (EUA), trouxe esse debate em três divisões simples (também vistas em outros salões espalhados pelo mundo neste ano): criatividade, inovação e tecnologia.
Engraçados e inusitados
Alguns modelos chamaram a atenção das 140 mil pessoas que visitaram o evento. Seja pela beleza, ou pelas curiosidades. De sistemas de som gigantes a aquários no porta-malas, não se pode negar que há certa graça no futuro. O modelo Scion Eddie Huang iA é um capítulo à parte. Além das caixas de som enormes no banco traseiro, o volante é feito por correntes, há detalhes dourados por todo o carro e o desenho de um panda no capô.
Outro carro curioso é um utilitário esportivo adaptado para levar um aquário. É isso mesmo, você não leu errado. O dono do modelo decidiu reunir três empresas para adequar um grande aquário com peixes de verdade no porta-malas. E você, claro, achando que levar o cachorro no banco de trás era divertido.
A criatividade de outro customizador norte-americano deve ser levada a sério. Na área externa do Centro de Convenções de Las Vegas um proprietário exibia seu carro feito com arame: uma estrutura tubular metálica com pneus gigantes. Um modelo que lembra os carros do filme “Mad Max”.
Wide body mode on
A Rauh Welt Begriff, ou RWB – famosa customizadora japonesa de Porsches refrigerados a ar com estilo retrô – já atingiu o gosto da população norte-americana. A empresa levou também para o SEMA modelos que servem de inspiração para a nova tendência: o wide body. O estilo de carroceria alargada foi o principal movimento da edição 2015 e a RWB ainda uniu forças com a equipe da iForged Wheels para apresentar uma coleção de cinco automóveis “colados ao chão”.
O wide body exibido mantém sintonia com o Porsche 911 G – modelo dos anos 70 através do Porsche 964 (1988 a 1994) para o Porsche 993 (1993-1998). Esses carros contam com preços astronômicos no mercado, no entanto, os antigos e clássicos alargados têm um encanto especial – sobretudo para os jovens. As alterações na carroceria para tornar o estilo novo podem chegar aos 20 mil euros.
Akira Nakai, dono da RWB, é considerado por muitos como um artista. Além de adequar as marcas iForged e Star Forge, muitas vezes ele usa nos projetos pneus Toyo. A suspensão dos Porsches são sempre coilover KW Variant com molas e amortecedores H&R. São modificações que atraíram milhares de entusiastas e amantes da customização que passaram pelo SEMA.
O despertar das montadoras
Além de automóveis preparados pelas próprias montadoras, há versões exclusivas produzidas por empresas especializadas no segmento que desembarcaram no SEMA. São projeções que viraram realidade.
Ford All Star Performance Explorer Sport
Não seria uma má ideia dirigir esse modelo com seu All Star, mas uma bota caberia melhor. O carro mantém altura em relação ao solo maior, ganhou pneus mais robustos e um suporte para teto. Por dentro, o revestimento é de couro e suede, tendo também amplificadores e alto-falantes da Sony. Um carro com “pegada” de estrada, mas com possibilidade off-road.
Ford Explorer Sport from Cars by Kris
Esse exemplar modificado pela Kris deixou o Explorer mais invocado do que o convencional. Além de estar mais baixo, o modelo recebeu itens externos feitos com fibra de carbono e assustadoras rodas de 24 polegadas.
Ford Edge Ignition by Webasto
Para quem acha que performance não pode estar aliada ao luxo implacável de grandes projetos, esse Edge é a prova da possibilidade. A empresa Webasto montou a carroceria em fibra de carbono e desenvolveu pré-aquecedor de motor exclusivo para a versão. Brad Keselowski, piloto da Nascar e entusiasta da Ford, aprovou o carro!
Ford Edge Sport Tjin Edition
Assim como o utilitário feito pela Webasto, esse modelo é um esportivo colado ao chão. A customizadora Tjin desenvolveu esse Ford com um sofisticado sistema de suspensão a ar, freios maiores e rodas de 22 polegadas. Por dentro, o revestimento é de couro Alea.
Ford MAD Industries Explorer Sport
Mais uma vez aparecem rodas de 24 polegadas e, para muitos, essa combinação com um SUV pode ser estranha. Segundo a marca, o revestimento do MAD “é perfeito para um passeio noturno na cidade, rumo à sua balada favorita com os amigos”. Mas entre essa e outra, o Camaro, da rival Chevrolet, pode garantir mais diversão noturna.
Ford Mustang TSDesign
Um exemplar que chama atenção com os pneus “gorduchos” de 13 polegadas de largura calçados em rodas exuberantes. Essa versão ainda conta com amortecedores mais curtos, para deixá-lo mais próximo ao solo, e um pacote de alterações da Steeda Autosports voltado para melhorar a dirigibilidade do Mustang. Nada mal para um conversível, não?
Acura ILX Galpin Auto Sports
A Acura, divisão de luxo da Honda, decidiu levar ao SEMA um pacote de personalização criado em parceria com a Galpin Auto Sports para o mais moderno ILX, o qual foi inspirado no kit Legend do rapper Ludacris. Dizer que a “nave é invocada” parece pouco.
Chevrolet Spark RS
Ele parece um Mini Cooper no sentido de ser “pequeno e delicado”, mas quem convive com o modelo sabe que há um estilo nervoso por trás desse desenho. Na versão esportiva para o compacto há um kit aerodinâmico de fibra de carbono, que inclui difusor e saias laterais, rodas de liga-leve de 17 polegadas e uma suspensão baixa. Vai procurar encrenca ao lado dele para ver…
Chevrolet Camaro Red Line Series
Não há exagero e, contrariando a música sertaneja brasileira, ele não é amarelo. O Camaro que foi apresentado no SEMA segue a linha Red Line series: rodas de 20 polegadas na cor grafite, com detalhes em vermelho, luzes de neblina vermelhas, inserções gráficas em diversos trechos, como os para-lamas, e algumas modificações de performance, como o rebaixamento da suspensão, novos freios e novo kit aerodinâmico. Algo como “sexy sem ser vulgar”.
Chevrolet Malibu Red Line Series
Nesse projeto não há foco no desempenho, até porque o “grandalhão” sedã da GM não prioriza performance. Aqui o que vale é o design. Com a mesma linha Red Line series do Camaro, o Malibu atrai pelo emblema da marca na cor preta e nome do carro em preto brilhante com detalhes vermelhos, as rodas 19 polegadas, suspensão baixa, rack de teto e aerofólio traseiro.
Hyundai Genesis Coupe by ARK
Esse cupê é diferente de tudo que você já viu. O Genesis exibido no SEMA ganhou kit aerodinâmico com saias laterais, capô, para-choques e para-lamas totalmente novos. Sob o “cofre”, resta o “berro” do seis cilindros 4.0 que passa dos 500 cavalos.
Hyundai Veloster Turbo Blood Type Racing
É só notar a ligação da parte inferior do para-choque dianteiro com a grade e os faróis com luzes vermelhas, sugestivamente denominados “olho do demônio”, para entender do que estamos falando. Esse é um modelo distinto do Veloster que o mercado brasileiro conhece. O motor 1.6 Gamma, nesse projeto, gera 500 cavalos de potência. É o sonho que tantos proprietários de Veloster almeja!
Hyundai Tucson Brute Ute
Ele está bem mais “baixinho” que o Tucson convencional. E essa é a proposta da norte-americana Bisimoto para o Brute Ute. Além do desenho, o modelo garantiu alterações mecânicas: o motor 2.4 Theta passou a desenvolver mais de 700 cavalos de potência. E, para os puristas, a transmissão manual de seis marchas sugere diversão.
Honda HR-V Tjin Edition
Dizer que o Honda HR-V fez sucesso no Brasil é redundante. Basta observar o número de vendas do modelo para perceber que o SUV conquistou os brasileiros e, mais que isso, se tornou líder da categoria. Agora, acrescente a fama que o utilitário compacto fez e doses de customização “gringa” e você terá um HR-V para qualquer entusiasta sonhar com um na garagem. A Honda mostrou no SEMA quatro exemplares do HR-V que foram customizados por diferentes empresas especializadas escolhidas pela marca. Tuning sem medir as consequências! O modelo que mais ganhou destaque no evento é o Tjin Edition – com uma pintura rosa, rodas douradas, faróis com máscaras vermelhas, para-choque personalizado e suspensão rebaixada (que incomoda até formigas que desejam passar por debaixo do carro). Por dentro, o carro ganhou novo revestimento de couro com inserções coloridas nos bancos e portas.
Mopar na veia
A equipe especializada do grupo FCA Fiat Chrysler Automobiles apresentou quatro modelos invocados que receberam “doses de adrenalina”. O primeiro modelo é um Chrysler 300 com novas luzes LED e pintura especial em azul fosco. Na sequência, o destaque ficou por conta de um Fiat 500X também pintado em azul e com vocação “praieira”, uma vez que no interior o painel também recebeu tom azul combinado com a configuração “oceano”. Outro automóvel da marca presente no evento foi um Dodge RAM 1500 Rebel de cor laranja e detalhes em vermelho, novas rodas e pneus off-road. Sensação dos salões norte-americanos, o Dodge Challenger também apareceu com um aspecto aerodinâmico mais “nervoso”, graças a um spoiler sobre o porta-malas, o emblema GT e alguns detalhes na cor laranja.
Apesar de tantas inovações automotivas, os jovens do século XXI não param de teclar nas redes sociais. Culpam o carro por ter deteriorado a qualidade de vida da sociedade. Engajam-se contra a poluição atmosférica dos motores a combustão, e andam de bicicletas. Será que a nova forma de customização – reunindo tecnologia e criatividade – mudará os rumos? As montadoras e centros de tecnologia certamente esperam ansiosos pelo futuro. Não é tão simples quanto apertar um botão.